sexta-feira, 1 de julho de 2011

Física Quântica e o Nada x Argumento Cosmológico

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Na tentativa de escapar de uma criação ex nihilo (do nada) para o Universo, alguns ateus apelam para diversos argumentos, entre eles a Física Quântica, mais espcificamente o vácuo quântico, afirmando que o tal foi suficiente para trazer o Universo à existência. Entretanto, a objeção falha, como veremos agora nesse excelente post de Snowball, do blog quebrandoneoateismo. A postagem é um pouco longa, mas vale a pena conferir até o final.

Indice:
  • 1. Introdução
  • 2. Racionalidade e justificativa – uma visão rápida
  • 3. O Modelo Cosmológico Friedmann-Lemaitre Padrão – “Big Bang”
  • 4. Pode algo vir do nada? – A discussão
  • 4.1. Ontologizando o nada
  • 4.2. O Argumento Dedutivo contra a criação a partir do nada
  • 4.3. O Argumento Indutivo contra a criação a partir do nada
  • 4.4. Física Quântica – o que ela mostra e o que ela não mostra
  • 4.5. Reductio Ad Absurdum – qual a limitação do nada?
  • 4.6. O Argumento Cético Final contra o nada
  • 5. Conclusão
1. Introdução:

Muitos neo-ateus e ateus alegam ter derrubado o Argumento Cosmológico citando a Física Quântica. Juntamente com a alegação de que o Kalam é utilizado a partir de um raciocínio de “Deus das Lacunas” (ou seja, um argumento da ignorância – coisa que já refutei no artigo “Seria o argumentos cosmológico Kalam uma versão do Deus das Lacunas?”) essa é uma das estratégias de contra-ataque mais utilizadas. Embora esse assunto já tenha sido tratado brevemente no post “Cosmologia e Início do Universo”, voltarei a analisá-lo por aqui. Começarei com uma pequena visão sobre o que é justificativa. Em seguida, irei falar do modelo padrão para o início do Universo, indo em seguida para a discussão da ontologia do nada e da física quântica tendo, então, finalmente, nossa conclusão.

2. Racionalidade e justificativa.

Antes de tudo, precisamos estabelecer como é a versão discutida do Argumento e qual seu objetivo. O argumento cosmológico, nas suas defesas contemporâneas mais famosas, se fundamenta em duas premissas:
  • (p1) Tudo que começa a existir tem uma causa.
  • (p2) O Universo começou a existir.
  • (c) O Universo tem uma causa.
O argumento é dedutivamente válido, com o termo médio bem distribuído. Seu objetivo é cumprir o objetivo geral da teologia natural. Como explica Alvin Plantinga, “a função típica da teologia natural tem sido demonstrar que a crença religiosa é racionalmente aceitável”. [2] Logo, para alguém declarar que esse é um bom argumento, justificadamente, basta que seja racional acreditar, pois, nas duas afirmações (p1) e (p2) que o constituem.  E se essa pessoa estiver certa em sua afirmação, a racionalidade da conclusão segue de forma lógica e necessária.

Mas uma nova questão surge: qual é a maneira correta de se analisar justificativa e racionalidade? Essa é uma longa discussão, mas a maneira tradicional tem sido em termos de uma atitude normativa: uma pessoa é irracional se ela estiver em falta com alguma obrigação epistêmica a qual ela está intelectualmente vinculada.
Deixe-me dar alguns exemplos. Tipicamente, o que os ateus tem dito é que a crença em Deus é irracional porque ela não está baseada em evidências suficientes – ou seja, que uma pessoa é racional em acreditar em algo somente se ela tiver evidências proporcionais a essa crença. Não quero discutir essa objeção aqui [3], mas ela nos dá um exemplo de obrigação epistêmica relacionada àquela atitude normativa mencionada.

Outro dever epistêmico comumente aceito é de formar uma conclusão a partir de uma hipótese mais simples ou da melhor explicação para um determinado fato. Suponha que eu seja um detetive investigando um roubo. Eu tenho três pistas. A primeira é de que o maior suspeito (vamos chamá-lo de ‘Richard Dawkins’) estava perto da cena do crime quando ele foi cometido. A segunda pista está no fato de que encontrei impressões digitais de Dawkins no cofre do local assaltado. A terceira pista é de que o dinheiro roubado foi ENCONTRADO na casa de Dawkins. Então, eu, como detetive, concluo que Dawkins foi o ladrão do cofre.

Mas há outras hipóteses que podem ser igualmente verdadeiras e que cobrem todas as evidências exatamente como a minha. Por exemplo, a hipótese de que Dawkins estava na cena do crime de forma totalmente ingênua enquanto ia visitar sua velha avó. Alguma pessoa desconhecida de Dawkins também estava se divertindo colocando impressões digitais de outras pessoas em cofres que essas pessoas nunca roubaram sem nenhum motivo maior em particular. E a pessoa que roubou o dinheiro acabou perdendo-o no meio do caminho. O dinheiro foi encontrado por algum estranho que sem maiores motivos resolveu colocar ele na casa de Dawkins, que nesse interim todo não sabia de nada. Observe que as duas explicações cobrem todas as evidências.

Se eu, ao analisar as evidências, concluísse que HAVIA acontecido o segundo caso, e não o primeiro, então eu estaria sendo irracional (e também é provável que eu recebesse em breve minha demissão). Então o exemplo da ausência de evidências e da melhor hipótese são alguns dos exemplos usuais de normas que alguém devem seguir ao formar uma conclusão sob pena de estar em estado de irracionalidade.

Finalmente, qual é a maneira correta de se pensar em algo tendo uma “causa” ou mesmo no sentido do termo “causa”? Talvez seja a seguinte: podemos pensar em um estado de coisas S de tal forma que ele explica, fornece uma razão, um porquê, ou de forma necessária ou probabilisticamente, de um estado posterior S*. A explicação para (S*) ‘você está lendo meu texto’ está em ‘(S) Você deseja ler meu texto e não tinha nenhum impeditivo para tanto’ e por aí segue.

Feitas essas explicações introdutórias, vamos passar a discussão do argumento em si e da objeção quântica.

3. O Modelo Cosmológico Friedmann-Lemaitre Padrão – “Big Bang”


O modelo no qual o Argumento Cosmológico atual trabalha é o modelo Friedmann–Lemaître (que veio a ser conhecido como modelo “Big Bang” de forma popular) que não descreve um Universo eterno no passado, mas sim um que começou a existir a um tempo finito atrás. Mais do que isso, sua origem postula uma origem absolutamente ex nihilo em termos físicos, pois não só toda matéria e energia mas o próprio tempo e espaço passaram a existir na singularidade cósmica inicial. Como afirmam Barrow e Tipler,
Na singularidade, o espaço e o tempo vieram para a existência; literalmente nada (N.T.: i.e., em termos físicos) existia antes da singularidade, então, se o Universo realmente tiver se originado a partir de tal singularidade, essa seria realmente uma criação ex nihilo (Barrow and Tipler 1986, p. 442) [4]
Como também explica o físico Paul Davies, “o surgimento do universo, como discutido na ciência moderna [...] não é apenas uma questão sobre impor algum tipo de organização [...] a um estado incoerente anterior, mas trata-se literalmente do surgimento de todas as coisas físicas a partir do nada” [5]

Se nós pudéssemos criar uma representação gráfica simples para o evento, seria essa:


Figura 1: Representação geométrica do modelo espaço-tempo. Espaço e tempo começam na singularidade inicial cosmológica. Antes disto, literalmente nada físico existia.

A objeção que alguns ateus apresentam nesse ponto é a sugestão da singularidade como uma espécie de bolinha superdensa que estava descansando desde a eternidade e que de repente explodiu, há certo um tempo finito. Mas a objeção é falsa. A singularidade é o PONTO inicial do Universo (e não uma espécie de linha reta que vai descendo eternamente na figura acima). Nesse modelo, a sugestão da criação fisicamente ex nihilo é feita no sentido de que antes desse ponto surgir absolutamente nada em termos físicos (de matéria, energia, espaço e tempo) existia. A nossa verdadeira questão é o porquê da singularidade – o “espaço-tempo” -começou a existir.

Então temos a nossa primeira questão: um teísta qualquer está em um estado de irracionalidade ao aceitar a teoria cosmológica padrão, que é a base de (p2)? Qual obrigação epistêmica ele está infringindo ao acreditar nesse modelo físico? É difícil dizer qual. Parece perfeitamente sensível e aceitável para qualquer pessoa acreditar no Big Bang na falta de objeções cogentes contra ele, não mais do que é aceitável para alguém acreditar na Teoria da Evolução ou na própria Teoria da Física Quântica.

Talvez a objeção do neo-ateu aqui será citar a existência de outros modelos. Logo, o teísta (ou qualquer outro que aceite o modelo Friedmann–Lemaître) é irracional ao aceitar essa teoria. Novamente, essa objeção falha. Todas essas teorias são teorias científicas e precisam ser falseadas EMPIRICAMENTE. Não há nenhuma evidência empírica cogente para as outras teorias (como a Teoria M, das supercordas, infinitos universos em expansão, etc). Na verdade, se alguém aqui está injustificado em alguma crença é quem postula milhares de outras entidades para as quais não há nenhuma comprovação empírica, de acordo com o princípio da explicação mais simples (já discutido acima). É verdade que no futuro algumas dessas teorias pode se provar correta; assim como no futuro fósseis que indiquem um designer inteligente podem ser descobertos. Nem por isso significa que no momento t atual alguém está em estado de irracionalidade ao aceitar o modelo do Big Bang ou a Teoria da Evolução padrão sem nenhum designer.

Então, se o neo-ateu quiser derrubar o teísta nesse ponto, ele deverá demonstrar que o teísta é irracional ao aceitar o modelo como é descrito acima.

Então esse é a o quadro geral dentro do qual temos que conversar. E a partir daí surge a objeção baseada na física quântica.

4. Pode algo vir do nada? – A discussão


4.1. Ontologizando o nada:

Se não existia nada físico, então ou (1) o Universo emergiu de alguma substância não-física, de natureza ontológica, que existia naquele estado ou (2) o Universo surgiu a partir de absolutamente nada.
E é ESSE o maior erro dos neo-ateus nesse debate. Sendo destreinados em filosofia, neo-ateus e até mesmo alguns cientistas famosos começam a falar do ‘nada’ de uma forma ontológica (que é filosoficamente tola). O nada não é material e o nada também não é imaterial; o nada simplesmente não é. O nada absoluto é justamente aquilo que não tem NENHUM predicado positivo. Justamente por isso ele não é algo ontológico.

O nada não é o ser de nenhuma forma; ele é simplesmente o não-ser. Muitas vezes neo-ateus surgem falando que “o Universo surgiu do nada” sugerindo que ele surgiu do vácuo quântico. O que eles falham em perceber é que o vácuo quântico é um ente cheio de características; ele não é um ‘nada’, mas um mar de energia flutuante dotada de uma rica estrutura e sujeita a leis físicas de diversas espécies. O próprio fato do vácuo quântico ser estudado pela Ciência demonstra que ele tem um caráter ontológico, pois assim como a Ciência não pode estudar o ‘não-cachorro’ ou ‘não-humano’, ela não pode estudar o ‘não-ser’. Nesse caso, absolutamente coisa alguma positiva poderia se falar dele. Só poderíamos negar as suas características. Essa é a verdadeira definição do nada.

No momento em que neo-ateus começam a dizer que, por exemplo, (a la Stephen Hawking) a lei da gravidade criou o Universo, ele está admitindo ‘(1) alguma substância ontológica é o estado do qual emergiu o Universo’, só discordando qual é a natureza dessa substância. Igualar “Lei da Gravidade” ou “Vácuo Quântico” com “Nada” seria simplesmente uma tolice.

Explicado esse erro, e entendido o que é o nada, vamos para três argumentos contra a criação a partir do nada.

4.2. Os Argumentos Dedutivos contra a criação a partir do nada:

Tendo isso em mente, é fácil montar um argumento dedutivo contra a criação a partir do nada. Basta analisar a propriedade básica do ‘nada’ – o não-ser em absoluto – e montar a argumentação.
O primeiro problema que surge é que se o nada criou algo, então ele tem pelo menos uma propriedade positiva: a de ser a substância que deu origem a um outro estado de coisas. Mas se ele deu origem, é a explicação ou razão, a um estado de coisas seguinte então ele tem pelo menos uma característica, que é justamente essa. Nesse caso, ele seria um ser, algo ontológico, e não seria o nada, que é justamente aquilo que nega qualquer predicado do ser. Então qualquer coisa que seja a explicação ou razão para algo posterior não pode ser o nada, sob pena de cairmos em auto-contradição e absurdo com a sua própria definição.

O segundo problema é o seguinte: se não existia nenhuma entidade ontológica, e o nada não criou o Universo, significa que o PRÓPRIO Universo, que não existia, é o responsável por sua passagem à existência. Mas essa visão é logicamente incoerente. Para o Universo ser sua causa, ele deve ser ou logicamente ou temporalmente anterior a si mesmo. Mas obviamente é impossível que algo seja anterior a si mesmo, pois nesse caso ele já existiria. Logo, a auto-criação é impossível.

Demonstrado isso, o absurdo de falar do nada criador fica explícito.

4.3. O Argumento Indutivo contra a criação a partir do nada:


Digamos que mesmo assim alguém não aceite os argumentos acima; ele simplesmente não se sente compelido a rejeitar a criação a partir do nada a partir da forma dedutiva explicada acima.

Ainda assim, poderíamos falar de um argumento indutivo contra a criação a partir do nada. Como formamos nossas conclusões para julgar a probabilidade da ocorrência de outros eventos? Nas conclusões que se baseiam numa experiência infalível, espera-se o evento com o máximo grau de segurança e considera-se a experiência passada uma prova completa da existência futura deste evento. Em outros casos, procede com mais precaução; pesamos as experiências contrárias; consideramos qual dos lados está apoiado por maior número de experiências; e é para este lado que nos inclinamos, e quando finalmente estabelece seu juízo a evidência não ultrapassa o que denominamos propriamente de probabilidade.

Toda probabilidade, portanto, supõe uma oposição de experiências e de observações, na qual um dos lados sobrepuja o outro e produz um grau de evidência proporcional à superioridade. Cem casos ou experiências de um lado e cinquenta do outro fornecem uma expectativa duvidosa de qualquer evento; contudo, cem experiências uniformes, com apenas uma que é contraditória, engendram racionalmente um grau bastante alto de segurança. Em todos os casos, devemos contrabalançar as experiências opostas, se são opostas, e subtrair os números menores dos maiores a fim de conhecer a força exata da evidência superior.

Uma pessoa sábia, portanto, julga a probabilidade pela experiência do evento. E toda coisa que passou a existir, pela observação humana, veio de um estado de coisas S que possui predicados positivos em si e de caráter ontológico para um outro estado de coisas S*  com predicados positivos em si e de caráter ontológico, observando-se sempre uma linearidade entre ser e ser. Toda experiência uniforme da humanidade constitui uma prova INTEIRA contra o surgimento de algo a partir de algo constituído pelo absolutamente não-ser. E um  homem sábio deve acreditar, assim, que o mesmo deve ter acontecido com o evento “surgimento do Universo”. Dessa forma, aquele que considera absurda a criação a partir do nada tem uma justificativa racional para tanto.

A primeira objeção é de que nós só observamos isso no mundo físico, por isso não podemos expandi-la para o não-físico. Mas essa objeção é falsa. A inferência se faz sobre a própria estrutura do ser, não sobre o fato do estado ser material ou não. Esse princípio funda-se em um raciocínio metafisico, não fisicamente.

Outra objeção é que as coisas não passam a existir, mas meramente se transformam. Mas essa objeção, na verdade, fortalece o raciocínio, não o enfraquece. Em primeiro lugar, é errado dizer que nada começa a existir; eu iniciei a existir há um determinado tempo, minhas palavras nesse post iniciaram a existir, pois não existiram desde sempre, e esse site também iniciou a existir. Pela Lei de Leibniz, temos as identidade dos indiscerníveis; desde que a essência de (1), (2) e (3) é diferente do que existia antes, (1), (2) e (3) é algo novo que passou a existir. Na verdade, o que o objetor quer dizer que as coisas que iniciaram a existir são formadas por um algo que lhe deu continuidade, o que não faz, filosoficamente, elas serem o mesmo; e esse é exatamente o ponto do raciocínio feito aqui. Há uma continuidade ontológica de estados com predicados positivos para estados com predicados positivos sempre dando origem a discerníveis que não existiam no estado um. E devemos acreditar que o mesmo ocorreu pelo Universo, seguindo as regras da verdadeira filosofia.

4.4. Física Quântica – o que ela mostra e o que ela NÃO mostra:


Mas a física quântica não nos ensina que as coisas podem surgir do nada? Como proceder, nesse caso?

A alegação é de que a física quântica nos mostra uma exceção para a afirmação de que algo não pode surgir sem causa a partir do nada, uma vez que no nível sub-atômico, as chamadas “partículas virtuais” surgem para a existência a partir do nada. E o mesmo poderia acontecer com o surgimento do Universo a partir do vácuo quântico.

Sem falar na discussão se essas partículas virtuais realmente existem [6], essa objeção é baseada em uma confusão filosófica. Como eu já expliquei na seção 4.1., nós não podemos atribuir o estado de “surgir do nada” nesses casos. O vácuo quântico não é um ‘nada’, mas um mar de energia estruturado e sujeito às leis da física. Dizer que as partículas virtuais surgem do nada no meio do Universo é simplesmente bizarro, pois se elas surgem dentro do Universo elas surgem dentro do ser. O que o objetor quer dizer, na verdade, deveria ser que essas partículas surgem sem uma causa específica ou ‘aleatoriamente’, mas não a partir do “nada”.

Mas na verdade o que existe na Física Quântica é o princípio do Indeterminismo, pelo qual não conseguimos saber ou prever de forma “fixa” os comportamentos das partículas, pela alteração do observador. E o fato dos seres humanos não terem uma barreira epistemológica para encontrar uma causa para um determinado evento não significa que ele tenha surgido aleatoriamente.

O que existe a partir daí são interpretações indeterministas ou deterministas desses dados. Vários físicos não estão insatisfeitos com a interpretação indeterministas de Copenhagen e estão utilizando teorias deterministas como as de David Bohm. Na verdade, a maior parte das interpretações disponíveis do formalismo matemático da mecânica quântica hoje é totalmente determinista. [7] E cosmologistas quânticos tem uma aversão especial para a versão de Copenhagen, uma vez que essa interpretação, no contexto cosmológico, iria requer um observador ultramundano para realizar o colapso da função onda do universo. [8]

Utilizando um paralelo: tanto Locke e Berkeley tinham interpretações da realidade empírica da mesma forma, mas Berkeley excluía a matéria, deixando apenas o funcionamento na mão do observador (aquele que “percebe”). Mas isso não demonstrava que a matéria não existia. São apenas interpretações diferentes que cobrem o mesmo campo.

Em segundo lugar, é preciso ter de forma clara em mente qual o significado utilizado de causa – que, assim como o termo ‘nada’, gera imensas confusões. Se utilizarmos a definição encontrada em 2., esses eventos não tem uma probabilidade intrínseca calculável, mas tem uma causa. Digamos que eu estimule uma partícula  para ocorrer um decaimento subatômico. É somente na presença do estado de coisas S ‘partícula existente sendo estimulada’ na qual emerge S* ‘decaimento atômico’. É até risível dizer que experimentos feitos em laboratório são eventos sem explicação, uma vez que eles pressupõe certas condições que dão origem para outras. Eles podem ser poucos prováveis ou difíceis de se calcular a probabilidade de acontecer, mas isso não dá a conclusão que não tem causa… justamente pelo contrário, pois eles são experimentáveis e inteligíveis para a mente humana.

Dessa forma, é errado dizer que a física quântica cria uma exceção para (p1). E mesmo nas interpretações indeterministas, as partículas não surgem a partir do ‘nada’. Elas surgem de forma espontânea, sendo difícil calcular sua probabilidade por isso, a partir da energia contida no vácuo subatômico, que constituem a causa de sua origem. E o mesmo vale para qualquer teoria sobre “vácuo quântico” e início do Universo.

4.5. O Argumento Ad Absurdum:


Também podemos criar um reductio ad absurdum contra a idéia sugerida acima. O nada não tem nenhuma propriedade positiva nem restrições de alguma forma. Se o nada pode positivamente gerar algo, então ele poderia gerar tudo, sem limites e sem nenhuma probabilidade objetiva ligada a ele. Mas então por que justo um Universo? Por que não dragões, por que não uma geladeira, por que não uma televisão, porque não outro tipo de Universo mais simples, sem tanto regularidade e sem capacidade para vida? Por que elétrons agindo ano após anos da mesma forma e não elétrons que viram prótons que viram nêutrons que somem para sempre e etc? Você simplesmente não pode colocar restrições ao nada, pois neste caso ele já seria algum tipo de entidade. Se nós negarmos o princípio explicativo enunciando na introdução, então não há nenhuma justificativa para dizer que o nada pode criar algo e criaria isso mas não criaria outras coisas muito mais simples.

E se eu acusar alguém de irracional por não compartilhar minha crença que um imenso e extremamente complexo Universo, cuidadosamente calibrado para sua própria subsistência e para a existência de vida, surgiu absolutamente por nada, do nada e pelo nada, sendo que qualquer tipo de entidade poderia ter surgido nessas condições, eu deveria ter honestidade e me voltar a mim mesmo, perguntando quem é realmente o irracional entre nós.

4.6. O Argumento Cético Final:


Um dos problemas de alguns “céticos” é aceitarem algumas limitações mas se recusarem a levar essas limitações até as últimas consequências. O exemplo da ‘Física Quântica’ e do ‘nada’ podem ser um bom exemplo disso. O exemplo a seguir foi sugerido, em essência, por Alexander Pruss.[9]

Comece supondo que realmente algo pode surgir a partir do nada ou pode surgir sem causa, como o neo-ateu alega (chame isso de crença ‘FQ’). Nesse caso, não poderíamos fazer qualquer julgamento probabilístico sobre esses eventos ocorrerem ou não; afinal, se eles não surgem dentro de um estado anterior, sendo algo como uma causa sui, eles não tem nenhum tipo de restrição e acontecem aleatoriamente. A probabilidade está ligada justamente ao conceito oposto a esse, sendo impossível aplicá-la nesse caso.

E não podemos esquecer algo. Para o naturalista, nossas faculdades cognitivas (chama elas de ‘R’) seriam, possivelmente, algo como um evento neurofisiológico que opera nos termos da ontologia das coisas físicas. Mas dentro dessa estrutura neurofisiológica, TAMBÉM há um nível subatômico, nas quais as coisas podem acontecer sem razão e sem serem ligadas a nenhum estado anterior.

A partir daí, um novo cenário de ceticismo novo se torna completamente possível: se é possível que algo aconteça sem nenhuma razão e esse tipo de mecanismo está operando no seu cérebro, então seus estados de percepção gerados pelas suas faculdades cognitivas podem estar ocorrendo sem nenhum razão e sem causas anteriores. E você, como vimos antes, não pode fazer um julgamento sobre a probabilidade disso acontecer ou não. Dessa forma, você não pode confiar nas suas faculdades cognitivas,pois nunca terá capacidade de fazer um julgamento probabilístico para saber se é ou não o caso de elas estarem operando deterministicamente. Sempre poderá ser o caso de você ter surgido agora, a partir do nada, ou de suas impressões e raciocínios simplesmente estarem surgindo sem nenhum vínculo com a realidade externa.

Se você aceita a crença FQ, então você tem um motivo (ou um ‘defeater’) para não acreditar em R (suas faculdades cognitivas, que produzem o seu conhecimento). E esse defeater não pode ser derrotado de maneira alguma; qualquer contra-defeater para o defeater original teria que tomar a forma de um argumento, que necessita de R, o que seria pragmaticamente circular.

Mas qualquer um que tenha um defeater para R também tem um defeater para qualquer crença que tenha sido produzida por essas faculdades cognitivas – incluindo aí a própria crença que FQ. Então qualquer um que aceite FQ acaba gerando um defeater para si mesmo; portanto, essa posição acaba sendo auto-refutável da mesma forma que o demônio cartesiano e não pode ser racionalmente aceita. Se nós quisermos levar o ceticismo até o final, temos que aceitar essa conclusão; e a conclusão não nos permite aceitar a informação original. Portanto, é absolutamente irracional tomar essa posição.

O argumento pode ser construído dessa forma:
  • 1. Estados ontológicos novos podem surgir a partir do nada ou sem explicação (chame isso de ‘FQ’);
  • 2. Se estados novos podem surgir como em FQ, então não há como fazer um julgamento objetivo de probabilidade de eventos;
  • 3. Se estados novos podem surgir a partir do nada ou sem explicação (FQ), então meus estados que emergem da minha faculdades cognitivas (R) também podem surgir a partir do nada ou sem explicação;
  • 4. Se não há como fazer um julgamento sobre a confiabilidade de R dado ‘FQ’, então eu tenho um defeater para R;
  • 5. Esse é um defeater que não pode ser derrotado de maneira alguma.
  • 6. Alguém que tenha um defeater para R também tem um defeater para qualquer crença que R tenha produzido, incluindo FQ;
Logo,
  • 7. A própria crença FQ tem um defeater e não pode ser racionalmente aceita.
Então a crença enunciada pelo neo-ateu para derrotar o Argumento Cosmológico não só não possui justificativa, como leva a absurdos e derrota a si mesma no fim das contas.

5. Conclusão:

Em resumo, temos que considerar os seguintes pontos:
  • (1) Se o neo-ateu quiser demonstrar que o teísta está injustificado ao aceitar as premissas (p1) e (p2) do Argumento Cosmológico, ele deverá demonstrar o PORQUÊ do teísta ser irracional ao aceitar (p1) e (p2);
  • (2) Se ele argumentar que o nada pode gerar algo (como o “vácuo quântico” poderia), então está em auto-contradição, pois estará ontologizando o nada, que é justamente a falta de ser;
  • (3) Se ele argumentar que algo pode emergir do nada, então está em auto-contradição, pois essa própria coisa seria a condição explanatória de si mesma, o que demandaria que ela fosse logicamente ou temporalmente anterior a si mesma (!);
  • (4) Se ele argumentar que a Física Quântica mostra que as coisas surgem do nada, isso é mentira, pois não surgem do não-ser e sim do ‘ser’ dentro do Universo;
  • (5) Se ele argumentar que a Física Quântica mostra que as coisas surgem sem causa, isso também é mentira, pois elas surgem dentro de um certo estado de coisas anterior necessário, sendo difícil apenas calcular a probabilidade de sua ocorrência posterior a ela pela influência do observador;
  • (6) Se algo pode surgir do nada, então é simplesmente inexplicável porque tudo e qualquer coisa não surgiram do nada e quem não acredita que aconteceu isso em um evento passado qualquer está sendo irracional;
  • (7) Quem acredita que as coisas acaba tendo uma forma de refutar sua própria capacidade de raciocínio, o que inclui… a própria crença de que as coisas surgem do nada;

    Feito isso, a objeção quântica ao estará devidamente neutralizada.

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Referências:
  1. CRAIG, William Lane; MORELAND, James P; (editores) The Blackwell Companion to Natural Theology, Ed. Wiley-Blackwell
  2. Plantinga, God, Freedom, and Evil, p. 2.
  3. Para uma maior discussão desse argumento, sugiro continuar lendo o blog nos próximos tempos.
  4. Barrow, J. D. and Tipler, F. (1986) The Anthropic Cosmological Principle. Oxford: Clarendon Press.
  5. “In the Beginning: In Conversation with Paul Davies and Philip Adams” (17 de Janeiro de 2002)
  6. Ver Robert Weingard & Gerrit Smith (1982). Spin and Space
  7. Veja CRAIG, William Lane; MORELAND, James P; (editores) The Blackwell Companion to Natural Theology, Ed. Wiley-Blackwell, pg. 183
  8. Veja novamente CRAIG, William Lane; MORELAND, James P; (editores) The Blackwell Companion to Natural Theology, Ed. Wiley-Blackwell, pg. 183
  9. Veja CRAIG, William Lane; MORELAND, James P; (editores) The Blackwell Companion to Natural Theology, Ed. Wiley-Blackwell, pg. 29

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