sexta-feira, 17 de junho de 2011

Paradoxo de Epicuro/Problema do Mal – Parte II



       [Antes de ler esse post, recomenda-se ler o anterior que lida com o Problema Lógico do Mal]


3. Problema Probabilístico do Mal:
 

O problema probabilístico (ou evidencial) do mal, ao contrário do problema lógico que trata da impossibilidade, muda para a questão da probabilidade de Deus existir. É improvável que Deus exista, se o Mal existe; e se é improvável, então não podemos racionalmente acreditar nEle.

Mas note que há muitas coisas que mesmo improváveis é  possível acreditar racionalmente. Por exemplo: é bastante improvável que eu consiga dois “Royal Flush” consecutivos no Poker. Mas eu levanto as cartas e vejo que tenho um Royal Flush. Eu levanto novamente na próxima rodada e percebo que tenho outro. Então se eu experienciar que tive essas cartas, eu posso racionalmente acreditar que essas foram as minhas mãos, mesmo com a probabilidade intrínseca sendo baixa. Da mesma forma, se fosse o caso do Problema Probabilístico funcionar, se eu experienciar Deus ou tiver um outro argumento para a existência de Deus (como a existência do próprio Mal, referenciado no primeiro artigo!) eu ainda poderia acreditar nEle sem me preocupar com o Problema Probabilístico.

Fazer essa concessão é uma forma bastante ruim de começar um argumento e o restante dele, ao meu ver, não consegue nenhum sucesso maior.

Vamos ao argumento: ele sentencia que existem eventos ruins. Vamos apenas chamá-los (individualmente) de “E”.

E
pode ser:
  • (a) O problema da pobreza na África;
  • (b) O problema da existência de doenças;
  • (c) Ou qualquer outra coisa que seja dita como mal;
E dada a mente de Deus (com suas razões e motivos – vamos chamar isso de nosso conhecimento de “background”), seria pouco provável ele existir se E (a, b ou c) existir. Vamos organizar o raciocínio: Probabilidade de Deus existir dado a existência de um evento E de acordo com nosso conhecimento de backgroundB” = Pr D (E & B).

Mas observe que a variável determinante nesse cálculo é “B” (Pr D (E & B)). Pr D é o que estamos discutindo; E é apenas a declaração da existência de algo; então tudo se resume a justificar que B é baixo para Pr D também ser.

Mas como alguém pode logicamente justificar B? Como, dentro das nossas limitações epistemológicas de capacidade, espaço e tempo, nós podemos julgar e justificar que se não encontramos um motivo imediato, logo Deus não deve ter nenhum?

Para melhor ilustrar meu ponto, pense em uma geração de macacos um pouco mais evoluídos (mas não muito). Ele é capaz de formular algumas sentenças na sua mente, reconhecer objetos e tem um valor semântico mental. Os seres humanos foram exterminados e um desses macacos – vamos dizer não um ordinário, mas o mais inteligente e habilidoso dentre esses – está explorando cidades em ruínas. Ele eventualmente acaba visitando um departamento de matemática, onde acha um livro de cálculo infinitesimal.

Não é preciso dizer – dentro de sua limitação de capacidade – que ele está muito longe de compreender um cálculo infinitesimal: “Eu não consigo entender nada do que está escrito aqui. E eu sou o mais inteligente de toda a minha espécie. Logo (ou provavelmente), isso não tem sentido”. O nosso amigo primata estaria correto? Não. Somente pelo fato de que sua capacidade mental não é a mesma de um Isaac Newton para compreender apropriadamente o cálculo, não segue não há (ou provavelmente não há) sentido.

Ele deveria reconhecer sua limitação antes  de fazer julgamentos de probabilidade.

Vamos pensar em mais um exemplo. Suponha que você encontre seu vizinho e o filho dele no elevador. O garoto está chorando e diz que o pai o puniu por ele ter andado lá fora. Você pergunta o porquê. “Bom, eu tive minhas razões para isso”.

Não surpreendente, você não consegue achar nenhuma razão para tal. E daí segue que NÃO há nenhuma razão? Como você pode saber os motivos, as razões e o contexto onde esse ato aconteceu? A menos que você tenha acesso a um scan mental daquele homem, então você não está em posição para fazer um julgamento justificado de B nesse caso, sendo que o pai não é sequer superior a você, mas está na mesma escala de capacidade (em média).

E nós estamos muito mais próximos, analogicamente, do primata para homem na relação homem-Deus do que para situações de dois seres humanos iguais. Se há um ser todo sábio e onisciente, ele está muito, muito longe da nossa capacidade para sabermos o quanto é necessário para efeitos que seriam desejáveis, quaisquer que eles sejam.

Victor Stenger comete esse erro no seu “God, The Failed Hypothesis”, ao responder que a idéia de que o mal pode ajudar a provocar algum desenvolvimento humano, dizendo: “Isso poderia ser alcançado com muito menos sofrimento do que o existente no mundo atual.” Mas como fazer esse julgamento se nós não temos as informações de input (entrada) output (saída – o resultado da existência do mal) para testar e saber se a quantidade iria mudar, continuar a mesma ou não? Nós adoramos ser céticos, menos quando é para presumir um argumento contra Deus, não é verdade?

Então, como não temos controle epistemológico da variável determinante, então NÃO podemos fazer qualquer julgamento de probabilidade.

E, assim, a versão probabilística – que depende unicamente da justificação apropriada de “B” – também apresenta sérios defeitos, tal qual a versão lógica – ou talvez defeitos até piores. Mesmo ateus como William Rowe admitem a fraqueza do argumento, como mencionado em um artigo: “Eu já penso que esse argumento é, na melhor das hipóteses, um argumento fraco.”1

Em resumo:
  • (1) O problema probabilistico (ou evidencial) do mal pode ser enunciado como: Pr D (E & B) é baixo.
  • (2) Para saber se é baixo, precisamos de uma justificativa apropriada e forte de que B, a variável determinante, é baixa.
  • (3) Não estamos em posição de justificar B apropriadamente;
  • (4) Portanto, o problema probabilístico falha;
  • (5) Mesmo se funcionasse, ainda seria racionalmente possível acreditar em Deus como é possível acreditar em outros eventos pouco prováveis;
  • (6) Logo, não há razões para pensar que ele funciona e há razões (como o reconhecimento da existência objetiva do próprio Mal) que ele é derrotável;
4. Conclusão:

Você pode se sentir de forma ruim ou ter problemas emocionais com o Paradoxo de Epicuro. Mas isso nem de longe o torna mais lógico ou racional. O que devemos nos perguntar sempre que observarmos um evento é: “É possível que para “E” a existência de Deus seja real?”. Nós vimos nesses dois artigos que há motivos para justificar que sim e que não há bons motivos para justificar que não.

Caso (quase) encerrado.


Fonte: quebrandoneoateismo

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Referências

¹ “The Evidential Argument from Evil: A Second Look,” p. 270.

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