domingo, 12 de junho de 2011

Visão islâmica da Bíblia - Parte I

 

[Nota do Autor: Essa postagem é a primeira da Séries Especiais, um novo tópico do blog que tratará com mais profundidade de temas que não poderiam ser explanado em um único post. Visão islâmica da Bíblia, será dividido em duas partes: a primeira com uma visão sobre as críticas islâmicas em relação à Bíblia; a segunda parte será uma respostas às acusações islâmicas. Boa leitura!]

Os muçulmanos acreditam que o Alcorão é a Palavra de Deus, superando todas as outras revelações anteriores. Para sustentar essa crença, precisam manter um ataque contra as alegações opostas da sua arquiinimiga, a Bíblia.

As acusações islâmicas contra a Bíblia se dividem em duas categorias básicas: em primeiro lugar, o texto das Escrituras teria sido alterado ou falsificado; em segundo lugar, erros doutrinários teriam se misturado ao ensinamento cristão, como a crença na encarnação de Cristo, a Trindade divina e a doutrina do pecado original. [1]

Por incrivel que pareça, às vezes, o Alcorão dá as Escrituras judeu-cristãs, títulos nobres como: ''o Livro de Deus'', ''a Palavra de Deus'', ''luz e guia para o homem'', ''decisão para todos os assuntos'', ''guia e misericórdia'', ''o Livro lúcido'', ''a iluminação (al-furqan)'', ''o evangelho com sua direção e luz, confirmando a Lei precedente'' e ''guia e advertência aos que temem a Deus'' [2]

Os cristãos são insentivados a ler as próprias Escrituras para entender a revelação de Deus para eles (surata 5:50). E até o próprio Maomé numa ocasião é exortado a testar a veracidade da própria mensagem pelo conteúdo das revelações divinas prévias feitas a judeus e cristãos, como nos mostra a Surata 10:94:

''Porém, se estás em dúvida sobre o que te temos revelado, consulta aqueles que leram o Livro antes de ti. Sem dúvida que te chegou a verdade do teu Senhor. Não seja, pois, dos que estão em dúvida.''

Esse louvor à Bíblia é enganador, já que os muçulmanos logo afirmam que o Alcorão supera as revelações anteriores, com base no seu conceito de revelação progressiva. Com isso, esperam mostrar que o Alcorão cumpre e anula as revelações menos completas, como a Bíblia.

Um teólogo islâmico repete essa convicção ao afirmar que, apesar de um muçulmano dever acreditar na Tawrat (Lei de Moisés), no Zabur (os Salmos de Davi) e no Injil (Evangelhos), ''segundo os teólogos mais eminentes'', os livros no estado atual ''foram violados''. Ele continua dizendo:

''Deve-se acreditar que o Alcorão é o livro mais nobre de todos (...) É a última escritura dada por Deus, anula todos os livros que a precederam (...) É impossível que sofra qualquer mudança ou alteração'' [3]

Apesar de ser essa uma visão comum entre teólogos islâmicos, muitos muçulmanos ainda afirmam crer na santidade e veracidade da Bíblia atual. Mas isso é dito da boca para fora, por causa da sua crença firme na suficiência suprema do Alcorão. Poucos chegam a estudar a Bíblia.

• Contra o Antigo Testamento

Os muçulmanos geralmente demonstram uma visão menos favorável do Antigo Testamento, que eles acreditam ter sido distorcido pelos mestres da lei. As acusações incluem: esconder a Palavra de Deus (Surata 2:42; 3:71), distorcer verbalmente a mensagem nos seus livros (Surata 3:78; 4:46), não crer em todas as partes de suas Escrituras (Surata 2:85) e não saber o que as suas Escrituras realmente ensinam (Surata 2:78). Os muçulmanos incluiram os cristãos nessas críticas.

Por causa das ambiguidades dos registros do Alcorão, os muçulmanos adotam posições variadas (que às vezes estão em conflito) com relação à Bíblia. Por exemplo, o famoso reformador muçulmano Muhammad Abduh escreve:

''A Bíblia, o Novo Testamento e o Alcorão são três livros concordantes; homens religiosos estudam todos os três e os respeitam igualmente. Então, o ensinamento divino é completo, e a verdadeira religião resplandece pelos séculos.'' [4]

Outro autor muçulmano tenta harmonizar as três grandes religiões mundiais dessa forma: ''O judaísmo enfatiza a justiça e a retidão; o cristianismo, o amor e a caridade; o islamismo, a fraternidade e a paz''. Mas a abordagem islâmica típica para esse assunto é caracterizada por comentários do apologista muçulmano, Ajijola:

''Os cinco primeiros livros do Antigo Testamento não constituem a Tawrat original, mas partes da Tawrat foram misturadas com outras narrativas escritas por seres humanos, e a direção original do Senhor se perdeu nesse lodaçal. Da mesma forma, os quatro evangelhos de Cristo não são os evangelhos originais que vieram do profeta Jesus (...) o original e o fictício, o divino e o humano estão tão misturados que o trigo não pode ser separado do joio. A verdade é que a Palavra original de Deus não está preservada nem com os judeus nem com os cristãos. O Alcorão, por outro lado, está completamente preservado e nenhum i e nenhum til foi mudado ou excluido dele'' [5]

Essas acusações nos trazem de volta à doutrina islâmica de tahrif, ou corrupção das Escrituras judeu-cristãs. Baseados em alguns dos versículos do Alcorão e, principalmente, na exposição do conteúdo real de outras escrituras, os teólogos muçulmanos formularam duas respostas. Conforme Nazir-Ali:

''Os primeiros comentaristas muçulmanos (por exemplo, At-Tabari e Ar-Razi) acreditavam que a alteração é tahrifbi' ma'ni, uma corrupção do significado do texto sem alteração do texto em si. Gradualmente, a visão dominante mudou para tahrifbi' al-lafz, corrupção do próprio texto.'' [6]

Os teólogos espanhois Ibn-Hazm, e Al-Biruni, com a maioria dos muçulmanos, apóiam essa visão. Outro erudito corânico afirma que:

''A Torá bíblica aparentemente não é idêntica à Tawrat [Lei] pura conforme revelada a Moisés, mas havia variedade considerável de opinião quanto à extensão da corrupção das antigas escrituras.''

Por um lado,

''Ibn-Hazm, que foi o primeiro pensador a considerar sistematicamente o problema de tabdil [mudança], afirmou (...) que o próprio texto havia sido mudado ou falsificado (taghyr), e chamou atenção para histórias imorais que se encontravam nas escrituras.''

Por outro lado,

''Ibn-Khaldun afirmou que o próprio texto não havia sido falsificado, mas os judeus e cristãos interpretaram mal suas escrituras, principalmente os textos que previam ou anunciavam a missão de Maomé e da vimda do islamismo''. [7]

O fato de um erudito muçulmano demonstrar certo respeito pela Bíblia, fazer citações dela, ou a maneira como ele faz depende da sua própria interpretação de tabdil. Ibn-Hazm, por exemplo, rejeita quase todo o Antigo Testamento por ser uma obra falsificada, mas cita alegremente os maus relatórios Tawrat sobre a fé e o comportamento do Banu Isra'il como provas contra os judeus e sua religião.

• Contra o Novo Testamento

O famoso comentarista muçulmano Yusuf Ali afirma que:

''O Injil mencionado pelo Alcorão não é o Novo Testamento. Não corresponde aos quatro evangelhos canônicos. É o evangelho único que, segundo o islamismo, foi revelado a Jesus e que ele ensinou. Partes dele sobrevivem nos evangelhos considerados canônicos e em alguns outros dos quais sobrevivem vestígios'' [8]

São feitas alegações diretas contra o Novo Testamento e o ensinamento cristão. Elas incluem acusações de que houve uma mudança e falsificação da revelação divina textual e de que houve erros doutrinários, tais como a crença na encarnação de Cristo, a Trindade, a divindade e a doutrina do pecado original.

Discutida entre os teólogos muçulmanos é a questão do destino eterno do ''povo do Livro''. Apesar de o muçulmano comum considerar qualquer ''pessoa boa'' digna de salvação, tentar explicar todas as evidências do Alcorão sobre esse assunto criou muita incerteza.

Entre os teólogos muçulmanos clássicos, judeus e cristãos geralmente eram considerados incrédulos (kafar) por causa da sua rejeição de Maomé como verdadeiro profeta de Deus. Por exemplo, no comentário sobre o Alcorão escrito por Tabari, um dos comentaristas muçulmanos mais respeitados de todos os tempos, notamos que, apesar de o autor distinguir entre o ''povo do livro'' e os politeístas (mushrikun) e expressar uma opinião mais elevada quanto aos primeiros, ele declara claramente que a maioria dos judeus e cristãos são incrédulos e pecadores porque se recusam a reconhecer a veracidade de Maomé.

Além disso, existe a acusação contra a crença cristã na divindade de Cristo como Filho de Deus, uma crença que significa cometer o pecado imperdoável de shirk e que é condenado enfaticamente em todo o Alcorão. A condenação dos cristãos é demonstrada na Surata 5:72:


''São blasfemos aquele que dizem: Allah é o Messias, filho de Maria (...) A quem atribuir parceiros a Allah ser-lhe-á vedada a entrada no Paraíso e sua morada será o Fogo Infernal...''

Por outro lado, o teólogo muçulmano contemporâneo, Falzur Rahman, vai contra o que admite ser ''a grande maioria dos comentaristas muçulmanos''. Ele defende a opinião de que a salvação não é adquirida pelo ingresso formal na fé muçulmana, mas, como mostra o Alcorão, pela crença em Deus e no dia final e pela prática de boas obras (Surata 4:29).

O debate continua e cada indivíduo muçulmano pode posicionar-se em um dos lados nessa questão, baseado no seu próprio entendimento.

_______________________________
Referências

[1] J. WAARDENBURG, ''World Religions as Seen in the Light of Islam'', p.261-263
[2] GEISLER, Enciclopédia de Apologética, Vida, p. 138
[3] A. JEFFERY, org., Islam, Muhammad and his Religion, p. 126-8
[4] E. DERMENGHEM, Muhammad and the Islamic Tradition, p. 138
[5] A. A. D. AJIJOLA, The Essene of Faith in Islam, p. 79]
[6] M. NAZIR-ALI, Frontiers in Muslim-Christian Encounter, p. 46
[7] J. WAARDENBURG, World Religions as Seem in the Light of Islam, p. 257
[8] A. Y. ALI, The Holy Qur'an, p. 287]

Um comentário:

  1. Nossa, é quase uma monografia... Parabéns o.O

    _________________________
    Se puder retribuir:
    http://entendaque.blogspot.com

    ResponderExcluir