terça-feira, 14 de junho de 2011

Visão islâmica da Bíblia - Parte II

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[Nota do Autor: Essa é a segunda parte da série Visão Islâmica da Bíblia. Sugiro para quem não leu a primeira parte [aqui], que diz respeito às críticas islâmicas á Bíblia, que leia, para melhor entendimento dessa segunda parte, que tratará sobre respostas às acusações islâmicas. Boa leitura!


Uma evidência de que essas visões islâmicas estão extremamente erradas é a incoerência interna da própria visão muçulmana das Escrituras. Outra, é que ela contraria os fatos.

• Tensão na visão islâmica sobre a Bíblia

Há uma grande tensão na visão islâmica da autenticidade do Novo Testamento (NT) real. Essa tensão pode ser focalizada pelos seguintes ensinamentos do Alcorão:

(a) O NT original (''Injil'') é uma revelação de Deus (Surata 5:46,67,69,71).
(b) Jesus foi um profeta e os muçulmanos devem acreditar em suas palavras (Surata 4:171; 5:78). Como observa o teólogo muçulmano Mufassir: ''Os muçulmanos acreditam que todos os profetas são verdadeiros porque são nomeados a serviço da humanidade pelo Deus Todo-Poderoso (Alá)''.
(c) Os cristãos eram obrigados a aceitar o NT do tempo de Maomé (séc VII; Surata 10:94).

Na décima Surata, Maomé é advertido:

''Se estás em dúvida sobre o que te temos revelado, consulta aqueles que leram o Livro [a Bíblia] antes de ti. Sem dúvida que te chegou a verdade do teu Senhor; não seja, pois, dos que duvidam.''

Abdul Haqq observa que:


''Os doutores do islâmismo ficam muito embaraçados com esse verículo, que remete o profeta ao povo do Livro que resolveria suas dúvidas.'' [1]

Uma das interpretações mais estranhas, é que a Surata é na verdade dirigida àqueles que questionam sua afirmação. Outros afirmam que:

''Foi o próprio Maomé quem foi mencionado, mas, não importa o quanto mudem e direcionem a bússola, ela sempre aponta para o mesmo pólo celestial - a pureza e preservação das Escrituras.''

Mas Abdul Haqq acrescenta:

Se, novamente, considerarmos que o povo mencionado é aquele que duvidou da verdade do islamismo, todo o fundamento da missão do profeta é exposto; com relação a isso os incrédulos são dirigidos aos judeus [ou cristãos] para uma resposta às suas dúvidas; isso só fortaleceria o argumento a favor da autoridade das Escrituras - um resultado para qual os críticos muçulmanos não estariam nem um pouco preparados''. [2]

Os cristãos respondem que Maomé não teria pedido que aceitassem uma versão corrompida do NT. Além disso, o NT da época de Maomé é substancialmente idêntico ao atual, já que o NT atual é baseado em manuscritos de vários séculos antes de Maomé.

Então, pela lógica desse versículo, os muçulmanos devem aceitar a autenticidade da Bíblia atual. Mas, se o fizerem, devem aceitar as doutrinas da divindade de Cristo e da Trindade, já que é disso que o NT ensina. Mas os muçulmanos rejeitam totalmente esses ensinamentos, criando um dilema dentro da visão islâmica.

Outra incoerência na visão do Alcorão sobre a Bíblia é que os muçulmanos afirmam que a Bíblia é ''a Palavra de Allah'' (Surata 2:75). Os muçulmanos também insistem em que as palavras de Deus não podem ser alteradas ou mudadas. Mas, como Pfander demonstra: ''se ambas as afirmações estão corretas (...) conclui-se que a Bíblia não foi mudada nem corrompida, nem antes nem depois da época de Maomé'' [3].

Mas o ensinamento islâmico insiste em que a Bíblia foi corrompida, logo, há contradição.

Como o acadêmico islâmico Richard Bell demonstrou, é irracional supor que judeus e cristãos conspirariam para mudar o Antigo Testamento (AT). Pois ''seu [dos judeus] sentimentos para com os cristãos foi sempre hostil'' [4].

Por que dois grupos hostis (judeus e cristãos), que compartilhavam um AT comum, conspirariam em mudá-lo para apoiar as visões de um inimigo comum, os muçulmanos? Não faz sentido. Além disso, no suposto período das mudanças textuais, judeus e cristãos estavam espalhados pelo mundo, tornando impossível a suposta colaboração para corromper o texto.

E o número de cópias do AT em circulação era grande demais para as mudanças serem uniformes. E também, não há menção de nenhuma mudança por parte de judeus ou cristãos da época que se tornaram muçulmanos, algo que certamente teriam feito se fosse verdade. [5]

• Contrário à evidência factual.

Além disso, a rejeição do NT por parte dos muçulmanos é contrária à enorme evidência de manuscritos. Todos os evangelhos são preservados nos Papiros Chester Beatty, copiados por volta do ano 250 d.C. E todo o NT existe no manuscrito Vaticano (B), que data de cerca de 325-350 d.C. Há mais de 5.600 outros manuscritos do NT, que datam do século II ao século XV (centenas dos quais são anteriores a Maomé), que confirmam que temos substancialmente o mesmo texto que foi escrito no século I.

Esses manuscritos fornecem uma corrente ininterrupta de testemunhos. Por exemplo, o fragmento mais antigo do NT, o fragmento John Rylands (P52), data de aproximadamente 117-138 d.C. Ele preserva versículos de João 18 como são encontrados no NT atual. Da mesma forma, os papiros Bodmer de 200 d.C., preservam livros inteiros de Pedro e Judas como os que temos hoje.

A maior parte do NT, incluindo-se os evangelhos, está nos papiros Beatty, e o NT inteiro no Vaticano de cerca de 325 d.C. Não há nenhuma evidência de que a mensagem do NT tenha sido destruída ou distorcida, como os muçulmanos afirmam que foi. [6]

Finalmente, os muçulmanos usam críticos liberais do NT para mostrar que o NT foi corrompido, perdido e desatualizado. Mas o falecido teólogo liberal A. T. Robinson concluiu que o registro do evangelho foi escrito ainda durante a vida dos apóstolos, entre 40 e 60 d.C. A ex crítica bultmanniana do NT, Eta Linnermann concluiu recentemente que a teoria de que o NT preservado nos manuscritos não contém precisamente as palavras e ações de Jesus não é mais defensável. Ela escreveu:

''Com o passar do tempo fico cada vez mais convencida de que a crítica do Novo Testamento praticada por pessoas dedicadas à teologia histórico-crítica não merece ser chamada de ciência'' [7]

Ela acrescenta: ''Os evangelhos não são obras de literatura que reformulam criativamente material já acabado como Goethe reformulou o livro popular sobre Fausto'' [8]. Mas: ''Cada evangelho apresenta um testemunho completo e singular. Ele deve sua existência à testemunhas oculares diretas ou indiretas''. [9]

Além disso, o uso desses críticos liberais pelos apologistas muçulmanos mina sua visão do Alcorão. Autores muçulmanos gostam de citar as conclusões de críticos liberais da Bíblia sem consideração séria das suas pressuposições. O anti-sobrenaturalismo que levou críticos liberais da Bíblia a negar que Moisés escreveu o Pentateuco, indicando os nomes diferentes de Deus usados em passagens diferentes, também argumentaria que o Alcorão não veio de Maomé.

Pois o Alcorão também usa nomes diferentes para Deus em passagens diferentes. Alá é usado para Deus na surata 4, 9, 24, 33, mas Rab [Senhor] é usado na surata 18, 23, 25. [10]

Os muçulmanos não percebem que a visão desses críticos são baseadas em preconceito anti-sobrenatural que, se aplicado ao Alcorão e ao Hadith, também destruiria as crenças muçulmanas básicas. Em resumo, os muçulmanos não podem apelar coerentemente à crítica do NT baseada na idéia de que milagres não acontecem, e não ser que queiram minar a sua própria fé.

Conclusão

Se os cristãos da época de Maomé foram incentivados a aceitar o NT e se a evidência abundante de manuscritos confirma que o NT atual é essencialmente o mesmo, então, segundo os ensinamentos do próprio Alcorão, os muçulmanos devem aceitar os ensinamentos do NT. Mas, o NT atual afirma que Jesus é o Filho de Deus, que morreu na cruz pelos nossos pecados e ressucitou três dias depois. Mas isso é contrário ao Alcorão. Logo, a rejeição muçulmana da autenticidade do NT é incoerente com a sua própria crença na inspiração do Alcorão.

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Referências

[1] A. A. Abdul Haqq, Sharing Your Faith With a Muslim, p. 23
[2] Idem, p. 100
[3] G. Pfander, The Mizanu'l Haqq, p. 101
[4] R. Bell, The Origin of Islam in its Christian, p. 164-5.
[5] J. McDowell, The Islam Debate, p.52-3
[6] Geisler e Nix, Introdução Bíblia, cap. 22
[7] E. Lennemann, Is There a Synoptic Problem?, p. 9
[8] Idem, p. 104
[9] Idem, p. 194
[10] R. K. Harrison, Introduction to the Old Testament, p. 517

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